quarta-feira, outubro 10, 2007

aparências


Enquanto ela varria a calçada coberta de folhas de outono, sentia que a minha presença era nitidamente marcante para a senhora. Um pouco franzina, curvada pelos anos, poucos dentes sempre à mostra por um meio-sorriso confidente.
- Bom dia, menina!
E eu respondi:
- Bom dia para a senhora também!
- É brasileira, a menina?
- Sou, sim.
Gostaria de dizer outra coisa, só para variar, mas o sotaque não engana.
- Tenho muitos conhecidos no Brasil, mas nunca lá fui. Se eu ganhasse no Euro Milhões haveria de girar este mundo todo...
Enquanto ela externava seus sonhos milionários, eu olhava para o relógio somente para confirmar o que já sabia, o ônibus da universidade estava atrasado de novo.
- E a menina está há muito tempo em Portugal?
A pergunta trouxe-me de volta para a parada de ônibus.
- Já estou aqui faz um ano.
Respondi um "bocado" contrariada. Era cedo, não costumo trocar mais do que meia dúzia de ruídos pela manhã.
- E veio estudar, é?
- Sim, estou fazendo mestrado.
- Tenho um filho que é engenheiro, e o outro está fazendo medicina. A minha menina é fisioterapeuta...
E a lista de filhos continuava, todos com profissões consideradas de alto estatuto. Comecei a pensar o quanto era curioso como uma senhora tão simples, que varria as ruas, tivesse uma família assim, com um grau de escolaridade elevado. De repente, como se tivesse levado um choque cerebral, passei a recriminar este meu pensamento, que cabeça mais cheia de estereótipos!, pensei. Por que a mulher não poderia ter criado os filhos assim? Percebi que este tipo de concepção social é tão profunda no nosso pensamento que dificilmente conseguimos nos livrar dela.
- Tenha um bom dia!
Desejei do fundo do coração. Uma bela lição de vida.
Subi, passei meu cartão na máquina, dei bom dia ao motorista e pensei... será que o motorista do ônibus tem um filho astronauta?

data especial


este é o post 99 em 10/10/2007 no blog português
o último post 99 do blog italiano foi em 10/10/2006
essas coincidências loucas da vida (internética)
o anterior porém tinha 3 anos de vida, este apenas 1
quando comentei o fato com minha mãe ela perguntou:
- quer dizer que você escreveu mais aqui do que na Itália? por que?
eu respondi que sim, e atribui ao fato de estar sozinha, provar muitas sensações
acho que é isso, o sofrimento, a saudade e a distância são molas mais potentes para externar sentimentos
desejo ao meu blog mais posts em menos anos
obrigada pela companhia
beijos

terça-feira, outubro 09, 2007

ausência


quando eu vou, já fui, e me perco.
se te procuro, já estás, enlouqueço.
quando fui?
quando chegaste, se não vejo?
meu desespero é a procura,
minha loucura,
teu beijo.

sábado, setembro 29, 2007

velhas memórias


o processo de envelhecimento é decisamente difícil de aceitar. não estou a falar somente do nosso envelhecimento, mas os dos outros. vivemos em uma sociedade performática, acelerada e, principalmente, de pouca memória. mas essa mesma memória é também rígida e, por vezes, seletiva. temos dificuldade de abandonar a imagem que tínhamos dos nossos pais quando estes eram grandes, auto-suficientes, super-heróis. conseguir ver a fragilidade que pode trazer o efeito dos anos é um exercício mental muito grande. um simples episódio como retirar dinheiro no caixa automático, pode ser revelador. hoje é um dia chuvoso aqui em Braga, e realmente não sinto a menor vontade de sair de casa. sendo assim, dei meu cartão do banco à minha mãe para que ela pudesse retirar dinheiro e comprar algumas coisas para casa. menos de 5 minutos depois ela retorna à casa dizendo que o mercado estava fechado e, por isso, não teve necessidade em levantar o dinheiro. natural, não? se não fosse pelo ar constrangido do seu rosto. passadas algumas horas, perguntei se ela não queria descer para comprar as tais coisas. ela insistiu para que eu fosse junto. chovia, eu de pijamas, na minha individualidade e egoísmo, falei: mas mãe, é aqui embaixo! vai lá! foi quando ela disse: eu não falei a verdade, na realidade não consegui retirar foi o dinheiro. fiquei um momento incrédula, como é possível! tinha dito exatamente, passo-a-passo, o que era para fazer. ela ali, me dizendo que havia tentado duas vezes e nada, a tela não mudava. impossível! dizia. acabei descendo, ainda transtornada. como pode, minha mãe, que sempre fez tudo sozinha, não conseguir sacar dinheiro, ainda se estivesse escrito em japonês! descemos. entreguei o cartão à ela. tentou 3 posições diferentes antes de acertar. apareceu a tela, como havia dito, para colocar a senha: e ela... e ela... começou a apertar no vidro e satisfeita disse: não falei! agora não sai daqui! mãeeeeee, please, tá vendo este teclado aqui! aperta os números ali!!!!

quinta-feira, setembro 27, 2007

reflexos do sol



a noite, com os pés frios, navego solitária em pensamentos de outrora. às vezes quero acreditar que nada foi real, que as lembranças que tenho são de um um sonho ruim. hoje sou as escolhas que fiz, hoje estou no lugar que escolhi, somente eu. tenho um caminho a percorrer que muitas vezes é cheio de neblina. quero a vida fácil, mas quem não quer. tenho poucos, mas bons amigos. tenho minha família por perto que me apóia e me suporta. tenho me afogado na comida e vejo que posso pegar uma estrada difícil de voltar atrás para o meu corpo e para minha saúde. cometo excessos e não cuido de mim. me amo pouco. baixa auto-estima. sou consciente, porém vejo somente o que quero ver. mas lembro de coisas que magoam muito, que fazem sofrer. olho para o meu futuro e vejo aquela pessoa ali, entretanto, na sombra de um passado que não consigo às vezes estancar. as lágrima me acompanham quase sempre. mas tem dias, como os de hoje, que caminho sob o sol com passos firmes, ouvindo Laura Pausini e, a cada canção, identifico um pedaço da minha vida e de pessoas que passaram por ela. estou amadurecendo, envelhecendo, passando... e vivendo!

segunda-feira, setembro 17, 2007

Recomendação de Leitura

Como estou em um período de pouco tempo para mim e para o blog, deixo-vos com uma citação do livro que estou tentando ler no momento: "Bem-vindo ao deserto do Real!" do filósofo esloveno Slavoj Žižek.

E se somente estivermos realmente vivos se nos comprometermos com uma intensidade excessiva que nos coloca além de uma "vida nua"? E se, ao nos concentrarmos na simples sobrevivência, mesmo quando é qualificada como "uma boa vida", o que realmente perdemos na vida foi a própria vida?

Bom início de semana!

domingo, setembro 09, 2007

Fechando ciclos


Estes dias tem sido para dar adeus aos amigos que voltam para casa depois de um ano de convívio aqui em Braga. É um sentimento estranho. Pessoas que você convive tão pouco mas que acabam marcando um momento importante da sua vida. Elas acabam fazendo parte deste todo, deste momento tão intenso. Cada um volta para sua casa, para o seu trabalho, para o seu velho ritmo. É nestas horas que eu mais me pergunto: e eu? para onde volto? o que foi que deixei para trás? A respota é imediata: nada! Bom ou ruim, a verdade é que aprendi a fechar meus ciclos a médio prazo, faço projetos curtos, vivo como no AA, um dia de cada vez. O lado positivo da liberdade de ir e vir, o lado negativo de uma vida sem raízes. Não quero chegar a fazer conclusões precipitadas do que é melhor, mas a verdade é que não deu para segurar as lágrimas pela partida deles e por tudo aquilo que já vivi e conclui. Saudades daquelas grandes.

terça-feira, setembro 04, 2007

lendro & leonardo



1- preciso de ar fresco

2- preciso de dinheiro

3- preciso de uma mente brilhante

4- preciso de alguém ao lado

5- preciso terminar meu pp

6- preciso de um emprego

7- preciso de uma soneca

8- preciso parar de precisar

9- preciso aprender a enxergar

domingo, setembro 02, 2007

eu sou aquela que foi...

sem saber bem a estrada, com a cara e a coragem, com lágrimas, com dor, sem piedade. aquela que nunca conseguiu calar o bater de um coração aflito, cheio de dúvidas, cheio de lacunas. sou aquela que deixa este rastro de sofrimento, de marcas, de arrependimentos. sou aquela que carregava sonhos coloridos, mas que optou pela estrada em preto e branco. sou aquela que ninguém consegue explicar, aquela que tem sempre algo para falar, mas que quando a resposta é calar consegue dar ouvido somente ao próprio devaneio. sou aquela que chora sem cessar, sou uma qualquer. sim, fui... mas onde vou parar?