- Estas construções são de 27 a.C. a 14 d.C.
- Mas isso não foi muito tempo...
- Pois, 2000 anos...
- Pois
Reflexões de uma jornalista em upgrade perdida em terras romano-portuguesas (e bacalhoeiras!)
- Estas construções são de 27 a.C. a 14 d.C.
- Mas isso não foi muito tempo...
- Pois, 2000 anos...
- Pois
- Olá, meu amor!
- Oi querido...
- Preparaste o prato?
- Tive alguma dificuldade.
- Por que não ligaste? Disse que era só me telefonar que eu resolvia...
- Eu sei, mas a televisão parou, e...
- Mais uma vez! Assim fica complicado tentarmos construir as coisas.
- Eu sei, mas a tele...
- Estou farto de ouvir as mesmas histórias!
- Eu imagino, mas...
- Vou dormir!
- Está bem, boa noite e...
- Traga-me o prato.
- Já vou...
- ...
- Experimenta agora animal! Lambe..........
Tinha o rosto hexagonal como os óculos, contornado de cabelos prateados muito bem aparados. Calculei que havia por volta dos seus 60 e tal anos, e o ônibus era o 40. Estava saindo da universidade, e subi na sólita parada. Ele já estava ali. Sentei-me a sua frente, a um banco de distância. Eu estava com meus óculos escuros e podia observá-lo secretamente. Pensei em tantas coisas. Era um homem bonito, bem vestido. Fiquei imaginando como seriam seus traços quando era mais jovem. Seria muito conservador? Terá sido um jovem rebelde? E depois as perguntas começaram a pegar o vento oposto. Parei um instante e pensei: poderia me apaixonar por ele? Por alguém na idade dele? O que os outros iriam pensar? Golpe do baú, certamente. A cabeça da gente é engraçada, faz cada conexão. O ônibus avançava lentamente, e a chuva distorcia a paisagem lá fora. Quando voltei a olhá-lo, seus braços estavam debruçados sobre o banco da frente e na mão esquerda chamou-me atenção sua aliança, simples mas bem acompanhada por um detalhe em diamante. E as perguntas continuavam a girar em mim. Levantei-me calmamente, dirigi-me à porta e desci minutos depois. Sua imagem ainda persistiu na minha memória por alguns passos. Aos poucos, fui voltando a minha quotidianidade e as perguntas voltaram a ser minhas conhecidas: o que vou preparar para o almoço?
Ontem fiz uma coisa esquisita, bebi óleo e comi cortiça.
Ontem fiz uma coisa engraçada, cortei o dedo e corri pelada.
Ontem fiz uma coisa diferente, bati contra o muro e quebrei um dente.
Ontem fiz uma coisa escondida, tomei banho e saí fedida.
Ontem fiz uma coisa alucinante, peguei no carro e parti o volante.
Ontem fiz uma coisa absurda, gritei pela janela que eu era muda.
Hoje ainda não fiz nada!
Quando o grito sai, é tarde demais para pedir desculpas?
Quando erramos uma vez, o nosso pedido de perdão de nada vale?
Estupidez...
Quem são vocês que passam e nada deixam?
Que olham e nada vêem?
Um olá de quem por aqui fere!
Cala-te! Já disse que te amo...
Cala-te! O arroz ficou queimado no fundo da panela de alumínio...
Cala-te! Acabou o papel higiênico colorido...
Cala-te! Não gosto de bananas...
Cala-te! Tua mãe está dormindo...
Cala-te! Deixa morrer em paz...
Cala-te! Esta respiração me dá nojo...
Cala-te! És mesmo uma lua minguante...
Já disse que te amo?
Mesmo quando teu arroz queima na panela, quando vais ao supermercado e esqueces do papelo higiênico ou quando insistentemente me empurras bananas esmagadas com açúcar e canela...
Já disse que te amo?
Mesmo quando tua mãe insiste em não te ver e tu choras por dentro, quando gritas desesperada por ar, nesta tua gaiola dourada onde padeces todas as noites...
Se não disse... perdoa-me!
Amo-te!
é perceber que a felicidade está na gaveta das meias, na escova de dentes e no cheiro de bolo quente.