sábado, abril 21, 2007

Uma ponte de vida


Duraram poucos minutos, enquanto a tosta mista derretia na prensa. Ela começou a contar dos seus dois filhos, da mãe já falecida, do marido que foi para as tropas em Angola. Eu ouvia todas aquelas histórias com um misto de surpresa e contemplação. "Eu trabalhava em confecção, mas depois do 25 de abril fechou e fiquei desempregada. Depois comecei a lavar pra fora, tudo na mão mesmo. Aos poucos comecei a fazer algumas horas aqui no bar e já estou aqui pra mais de 20 anos", contava orgulhosa e sorridente. Lamentou-se somente não ter tido mais filhos por causa do período difícil do desemprego. "Casei nova, com 19 anos, mas nem por isso digo para as pessoas não casarem", em resposta ao senhor que pouco antes dirigiu-se a mim dizendo "não cases nunca". Desconhecia o motivo do seu comentário desencorajador, até porque, pensava, agora é tarde demais. Sentia-me realmente lisonjeada pela confiança que aquela jovem senhora tinha por mim. Naquele momento eu era alguém como ela, alguém de casa, que conhecemos há anos e a quem podemos contar particulares de vida no simples ato de compartilhar e doar um pouco de experiência e humanidade. E enquanto ela falava, as perguntas mentais surgiam como fungos. Como foi que chegamos a este grau de proximidade vendo-nos apenas nas minhas 6 horas de trabalho por semana, porém de um ritmo avassalador? Quando foi que esta ponte foi construída? Estava literalmente extasiada e estranhamente feliz. Segundos de silêncio. "Menina, acho que minha tosta está pronta". Sorrimos com olhares cúmplices. Eu fui entregar a tosta e ela desapareceu atrás da máquina de café.

1 comentário:

Luciana Bonino disse...

Ei! Como sempre adoro suas crônicas!
Voce fez o teste da flor!!!
Saudades...
Beijinhos